A Voz da Felicidade

Card Literatura

– Alô?
– Aqui fala a Voz da Felicidade. Quem fala aí?
– Como?
– Aqui fala a Voz da Felicidade. A voz que leva a alegria ao seu dia-a-dia. Amaro Amaral, o rei do dial. O que está nas ondas e não é surfista, está no fio e não é equilibrista. O que leva a sorte ao seu lar pelo ar.
– Eu não estou entendendo…
– Como é o seu nome?
– É… é…
– Você não sabe o seu nome? Já vi gente mal-informada, mas a senhora leva o prêmio, hein?
– Não, é que…
– Não leve a mal. É Amaro Amaral, o homem do coisa e tal. Alegria não paga imposto. Diga lá. Já lembrou o seu nome?
– É Maria.
– A da sapataria? Estou brincando. Coisa e tal. Bom dia, dona Maria!
– Bom dia. Eu…
– Quando é que a mulher tira a roupa mais depressa?
– O quê?
– É uma charada, dona Maria. Responda num minuto e ganhe um colchão Celeste, nuvem anatômica. O relógio está correndo. O relógio está fazendo cooper. A senhora tem 40 segundos.
– É que… Estou meio…
– Trinta segundos, dona Maria. O relógio foi correndo até a esquina e já está voltando. A senhora estava dormindo, dona Maria? A essa hora? Que voz de sono! O sol está brilhando e Amaro Amaral está cantando. “O sole mio, e coisa e tal…” Está bem, dona Maria, eu paro. Como é, e a charada?
– Eu…
– Vou lhe dar outra chance de ganhar um colchão Celeste, nuvem anatômica, onda dá para dormir até de olhos fechados. Já que a senhora gosta tanto de dormir, não é, dona Maria? Estou brincando. Posso repetir, dona Maria?
– Sim, é que…
– Quando é que a mulher tira a roupa mais depressa? Cuidado com o que a senhora vai responder, dona Maria. Este é um programa de família.
– Programa?
– Nós estamos no ar, dona Maria. A Voz da Felicidade, com Amaro Amaral, o baixinho alto astral. Diga lá. A senhora tem mais um minuto. Acorda, dona Maria!
– É que eu estou meio zonza. Tomei uns comprimidos…
– O que é isso, dona Maria? Alegria não se compra em farmácia. Coisa e tal. E a charada?
– Tomei o vidro inteiro. Queria me matar.
– Não me diga isso, dona Maria! Que coisa feia. O mundo é tão bom.
– Não é não.
– Dona Maria, me dê o seu endereço que eu vou mandar um médico aí.
– Não, eu…
– Olha aí, produção. Vamos checar o número de telefone da dona Maria e descobrir o endereço dela. Dona Maria, por que a senhora fez isso? A senhora tem família, dona Maria? Como é o seu nome todo?
– Solidão…
– Maria Solidão. Olha aí, família Solidão, vamos dar uma mão.
– Há um ano que eu espero esse telefone tocar. Um ano. Hoje ele toca e…
– É a Voz da Felicidade, dona Maria, Amaro Amaral, seu amigo matinal. Dona Maria, a senhora está me ouvindo?
– Mais ou menos.
– Não desligue dona Maria! Nós vamos ajudá-la. Atenção, dona Maria. Sensacional. Acabam de me passar um bilhete do patrocinador dizendo que a senhora não precisa responder a charada. Já ganhou o super colchão Celeste, nuvem anatômica. Veja só o que a senhora ia perdendo, dona Maria. O mundo é bom.
– Um ano sem tocar…
– Alô, dona Maria. Para onde a gente manda o colchão? Eu mesmo vou aí entregar o colchão, dona Maria. Amaro Amaral, seu amigo matinal. Coisa e tal. Nos dê seu endereço que…
– Solidão…
– Atenção. Acabo de ser autorizado pelo meus patrocinadores a revelar a resposta da charada. A senhora vai saber a resposta da charada e ainda ganha um super Celeste, nuvem anatômica, no mole. Tome nota dona Maria. Não desligue.
– Um ano… Nada… Ninguém…
– Não desligue dona Maria. Mas ainda não descobriram essa porcaria de endereço? Atenção, dona Maria. A charada era, quando é que a mulher tira a roupa mais ligeiro. A resposta é, quando começa a chover. A mulher vai correndo tirar a roupa do varal. Entendeu, dona Maria?
– Ahn…
– A mulher vai correndo… Alô, dona Maria? Dona Maria?
– (Clic)

– Luis Fernando Veríssimo, “A Voz da Felicidade”em A mulher do Silva, p. 90-92. Porto Alegre: L&PM, 1984.

Autor: Matheus Penafiel

Formado em Filosofia pela UFRGS e especialista em Ensino de Filosofia pela UFPel. Professor de filosofia e sociologia na rede privada de Porto Alegre e Canoas. Escritor de fim de semana.

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